[RP Aberta] Entre Livros e Poeira

Ouran não era muito intensa, sempre lidou com as situações de maneira mais leve. Uma das poucas características extremas da garota, porém, era sua surpreendente precisão para saber o que quer ou não. Não há meio termo, embora, sim, momentos raros de indecisão.
Sendo assim, sabia exatamente o primeiro lugar que visitaria para seu próprio lazer dentro da academia: a biblioteca. Logo na porta, já se sentia acolhida pelo cheiro convidativo de papel. O ambiente era perfeito e agradável, um local onde poderia, silenciosamente, compartilhar da paz com todos os outros ali. 
Livros sempre foram uma grande paixão de Ouran. Nunca teve muita oportunidade de conversar sobre assuntos que lhe interessavam, além de ter uma imaginação bastante aguçada, se encontrando constantemente perdida em seus mundos imaginários ou pensando em situações nada convencionais. E os livros davam a ela ambos, conhecimento e novas informações e também a fuga da realidade.
A atmosfera da biblioteca ainda não lhe era familiar, o que a deixava um pouco acanhada, mas estava determinada a fazer dali um cantinho reconfortante.
Andando entre as prateleiras, certificando-se de ler o título de toda obra que sua visão alcançava, notou ao longe um dorso familiar. 


Por que eu nunca o vejo sentado corretamente?


Pegou um dos romances que mais lhe chamou a atenção — com uma protagonista independente e destemida — e, de mansinho, foi se aproximando da mesa. Ao se dar conta da situação do indivíduo à sua frente, balançou a cabeça em desaprovação.


— Ei, esperava um comportamento mais elogioso de sua parte! Vamos, vamos, tire logo os pés da mesa e trate de se ajeitar se pretende ficar na biblioteca. Você tem seu alojamento onde pode se esparramar onde quiser, mas não aqui. — disse em um tom firme, tirando o livro do rosto do jovem. Por ter crescido sendo a primogênita entre os primos, Ouran tende a cuidar e repreender aqueles de idade próxima ou mais novos. Alguma hora, isso poderia acabar a colocando em uma situação complicada.

Como uma mãe que acabara de pegar seu filho se esgueirando para pegar a sobremesa antes do jantar, Ouran estava parada com as duas mãos apoiadas em sua cintura, olhando Hans se endireitar. Esperava uma resposta mais mal humorada, mas não foi o que recebeu.

— Se você pretende dormir aqui, tente ser ao menos discreto, caramba! — delicadamente, colocou o livro na mesa, à frente do rapaz, e acomodou-se em uma das cadeiras.

Tentou espiar sobre o que se tratava o livro de Hans, o que não foi eficiente, e deu uma breve checada em volta. Algumas pessoas, provavelmente veteranos, pareciam cochichar enquanto apontavam para os dois, com uma atenção especial para Hans, mas preferiu ignorar isso.

— Bem, senhor CDF, eu realmente gosto de livros, mas nunca frequentei biblioteca alguma — suspirou, lembrando-se de seu lar — Mas, sabe, ainda assim eu posso afirmar que seu comportamento aqui não é nada comum. Devo dizer, também, que encontrou uma utilidade um tanto quanto singular para seu livro — riu baixinho, na esperança de que ele entendesse sua brincadeira.

Ajeitou a postura e abriu o livro que escolhera há pouco, pulando o prefácio, quase como que com pressa para se submergir na estória. Notou o olhar de Hans indo de seu livro ao seu rosto. A garota não conseguia decifrar as reações ou o que se passava na cabeça dele, e isso a deixava um pouco curiosa, mas sua curiosidade sobre o livro, naquele momento, era ainda maior, e optou por não interromper sua leitura.

— Ah, agora vejo porque estava dormindo... Não sabe aproveitar da paz de uma biblioteca — ignorou a desculpa esfarrapada que lhe foi dita, e prosseguiu com suas provocações — Ao menos, esteve em contato com o cheirinho agradável do livro enquanto cochilava.


De início, Ouran leu atentamente a introdução da estória e dos personagens, já idealizando o local onde viviam, suas aparências e trejeitos. Vez ou outra, interrompia sua leitura para checar o grupo que parecia estudar os dois sentados sozinhos, e evitou a todo custo cruzar olhares com eles. Veteranos certamente à deixavam mais assustada que professores. 
Ainda assim, não achou que fosse motivo de preocupação,  e decidiu não esquentar enquanto não lhe parecesse ameaça, deixando-se ser sugada para dentro do livro, tão animada quando concentrada. Então, retornou à realidade quando sua atenção foi atraída pela voz de Hans.


— O meu livro? Só te digo se me falar sobre o seu. — se inclinou sobre a mesa para tentar ver o título que Hans escondia de forma tão dedicada — Afinal, para quem parece não gostar de bibliotecas, soa até interessado. Que tipos de livros andou lendo? Conheço alguns que com certeza lhe farão esperar ansiosamente por um tempinho para vir à biblioteca!

— Sim, você tem completa razão! Um local abafado de livros e mesas é um lugar propício para se tirar uma pestana — forçou uma expressão pensativa — Desculpe-me, fui tola de tirar conclusões precipitadas.

Hans agia estranhamente, sequer retirou seu livro de baixo da barreira que fazia com seus braços. Ouran, continuando sua leitura, já havia desistido de espiar, embora o desconforto por ser observada, tanto por Hans quanto pelo grupo de veteranos, ainda era constante. Então, a última coisa que poderia desejar aconteceu, além dela, Hans também notara os olhares suspeitos que lhes eram lançados.

— Bom... Acredito que sejam veteranos se questionando sobre rostos novos pela academia, deixe isso quieto.

A garota se dedicou fielmente à não rir das reações exageradas de seu colega, sem citar sua surpresa por conta do barulho, que a fez recuar. Ouran, já notando que havia algo com aquele livro, bolou apressadamente um plano em sua mente.

— Sim, me deixou realmente com vontade de explorar o Fukai! — fechou seu livro, certificando-se de gravar a página em que parou — Mas, sabe, mesmo um "nobre guerreiro" precisa saber de muitas coisas que não envolvam técnicas de batalha. Afinal, sua vida não se resume a ser um guerreiro, você é um ser humano completo, com desejos e necessidades além disso.

Na esperança de ter deixado Hans concentrado em seu discurso, Ouran ágilmente colocou sem plano em ação. Supondo que ele estaria pensativo, se aproximou rapidamente e tentou tomar o livro dos braços do rapaz. Esse método, Ouran supôs, seria o mais fácil para descobrir do que se tratava a tão preciosa obra.